O Mestre
Eu precisava escrever esta crônica. Tinha pouco tempo e nenhuma ideia. Fazer o quê? Fui procurar o Mestre. Expliquei minha situação. Ele sorriu, paternalmente. O velho problema de sempre. A aflição de todo cronista. Pouco tempo e nenhuma ideia.- Escreva sobre isso - sugeriu ele, agora com um sorriso irônico. - Sobre a aflição. Sobre o que sente um cronista sem tempo e sem ideias, obrigado a cumprir um prazo.
- Mas, Mestre, isto é o que tem feito todos os cronistas desde os tempos bíblicos. Na falta de assunto, escrever sobre a falta de assunto. Não é novidade.
- Ainda bem que você reconhece - disse ele. - Esse truque não funciona mais. Vamos às alternativas. Que tipo de crônica você quer fazer?
- Bem...
- Séria? Humorística? Opiniática? Lírica? Profunda? Frívola?
- Humorística.
- Que tipo de humor?
- Quantos tipos há?
- Tem o humor fácil, sem um objetivo maior, e que sempre funciona. Um homem escorregando numa casca de banana, por exemplo. O homem escorrega numa casca de banana e cai. Não é uma crônica, mas é um começo. E engraçado.
- E o que acontece depois?
- Aí depende. O tombo pode significar apenas um tombo. Ou a casca de banana pode simbolizar o destino, o homem que cai pode simbolizar a humanidade diante do seu destino e da fatalidade biológica da morte, e toda a crônica pode ser sobre a condição humana e o nosso desespero sem saída.
- E onde fica o humor?
- No final a gente bota uma piada.
- Sei não. Casca de banana...
- Você quer uma coisa mais refinada? Escreva diálogos sofisticados. Os diálogos têm uma grande vantagem.
- Qual é?
- Qual é o quê?
- Qual é a vantagem de diálogos?
- É que enchem mais espaço. O leitor pode ter dificuldade em identificar quem está falando, mas o cronista sem tempo realiza seu objetivo principal, que é chegar ao fim da crônica o mais rapidamente possível.
- Esses diálogos sofisticados...
- São fáceis de fazer. Ao contrário da casca de banana, não precisam provocar gargalhadas, apenas sorrisos. Experimente. Comece um diálogo sofisticado.
- Hmmm. Deixa ver. Homem chega em casa e pede para a mulher "Prepara um drinque para mim e um banho quente para nós dois". Mulher diz: "Acho que você já tomou drinques demais." Homem: "Por que você diz isso, querida?" Mulher: "Porque esta não é a sua casa e eu não sou a sua mulher." Homem: "O banho quente, então, nem pensar?"
- Acho melhor esquecer o humor.
- Sobre o que eu devo escrever, então?
- Tenta algo profundo. A alma. O pré-sal.
- Não tenho tempo!
- Então escreve qualquer bobagem, mas com uma epígrafe do Shakespeare ou do Nietzsche. Qualquer coisa fica séria com uma boa epígrafe.
- Você acha?
- Vamos fazer o seguinte. Inventa um Mestre a quem você pede ajuda. Ele tenta ajudar, e o diálogo de vocês é a crônica. Pronto.
- Mas isso também é um truque!
- E daí? Funcionou. Chegamos ao fim.
- Você não tem mais nada para dizer?
- Tenho. Tchau.
*Crônica retirada da versão on-line do Jornal Estadão (estadão.com.br). Originalmente publicada em 30/05/2010.
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