O Poder dos Garçons
Excelente, excelente - disse o homem, limpando o que restava de molho no prato com um pedaço de pão. - Diga ao chef que eu quero cumprimentá-lo.
- Ele já vem falar com o senhor - disse o garçom. - Para agradecer-lhe.
- Me agradecer? Por quê?
- O senhor não viu como o restaurante está cheio? Tudo devido aos seus elogios. Desde que saiu sua crítica, no jornal, o restaurante tem estado sempre assim. Lotado.
- Mas... Como é que ele sabe que o crítico sou eu? Sempre venho incógnito. Faço questão.
- Eu disse quem o senhor era.
- Você? Mas como você me reconheceu?
- Sei tudo sobre o senhor. Me informei. Pesquisei. Fiz questão.
- Mas por que você... Ah, aí está nosso chef! Olhe, parabéns, viu? Desta vez você se superou. Obrigado por um grande jantar.
- Eu é que quero agradecer-lhe - disse o chef. - Pelo que você escreveu a meu respeito. O restaurante tem estado sempre assim, lotado, por sua causa. Devo meu sucesso a você.
- O que é isso? O sucesso se deve à sua comida. Ao seu talento. Eu não fiz mais do que escrever a verdade. Modestamente.
- Não. Você não sabe o poder que tem. Uma palavra sua pode fazer ou desfazer um restaurante, uma reputação ou uma vida. E salvou a minha.
- Por favor...
- Mas por que você nunca se identificou antes? Eu teria preparado alguma coisa especial. Como, aliás, preparei hoje, depois que o Almiro aqui me disse quem você era.
- Faço questão de ficar incógnito, justamente para não ter tratamento especial. Mas agradeço a sua gentileza. Ela só confirmou minha opinião a seu respeito. Muito obrigado.
- Muito obrigado a você - disse o chef, afastando-se. - E volte sempre.
- Voltarei com muito prazer - disse o homem.
***
- Mil folhas? - perguntou o garçom, que permanecera ao lado da mesa, acompanhando a conversa. - É uma especialidade da casa.
- Não, obrigado - respondeu o homem. - Só um cafezinho. Mas, me diga uma coisa: como você sabia quem eu era?
- O senhor também mudou a minha vida. Eu tinha um restaurante, maior do que este. Com uma boa clientela e um futuro promissor. Então saiu uma crítica sua no jornal arrasando meu restaurante e ridicularizando minha comida. O senhor não sabe o poder que tem. Foi o começo da minha ruína. A clientela desapareceu. Me endividei e perdi o restaurante. Minha mulher me abandonou e levou as crianças. Tive que começar a trabalhar de garçom, pulando de lugar em lugar, vivendo de gorjetas. E durante todo esse tempo, tratei de me informar a seu respeito. Cheguei a segui-lo na saída do jornal, só pensando numa coisa: vingança, vingança. Há uma semana comecei a trabalhar aqui. Hoje vi o senhor entrar e pensei: finalmente nos encontramos. Chegou o dia. Vou me vingar.
- Ma-mas... Se vingar como?
- O senhor saberá quando começarem as cólicas.
- Mas não foi você que preparou a comida!
- No caminho entre a cozinha e a mesa, a comida esteve dois minutos sob minha jurisdição. Não foi preciso mais do que isto. Esse é o poder dos garçons.
- Mas, mas...
- O café é expresso?
*Crônica retirada da versão on-line do Jornal Estadão (estadão.com.br). Originalmente publica em 02/05/2010.
Hahahahahahaha. Adoro essa do Veríssimo! Demais, não?!
Espero que gostem!
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